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Patrick Camillo

Meus pensamentos sobre A Biblioteca da Meia-Noite

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Esta análise TEM revelações significativas acerca do enredo do livro.

Esse livro foi recomendação de um amigo. Eu já tinha colocado ele na minha lista “não leia” do Goodreads por motivos diversos, mas esse amigo me convenceu dizendo que “é o livro da vida dele” e tudo mais. Resolvi dar uma chance e ler sem preconceitos.

Falhei na parte do pré-conceito, pois não pude evitar ler com uma opinião na cabeça que li dias antes: de que o livro fica meio moralista da metade para a frente.

Trechos como estes abaixos, muitas vezes usando frases repetidas ou raciocínios circulares - entendo que para repassar as mensagens de forma mais intensa - dão um tom um pouco piegas para o livro:

Ela não queria morrer. E não queria viver nenhuma outra vida que não fosse aquela que era sua. Aquela que podia ser uma luta diária muito confusa, mas era sua luta diária muito confusa. Uma bela luta diária muito confusa.

Era como se ela tivesse alcançado um certo grau de aceitação sobre a vida — de que se houvesse uma experiência ruim, não haveria apenas experiências ruins. Concluiu que não havia tentado pôr fim à sua existência porque estava infeliz, mas porque tinha conseguido se convencer de que não havia saída para sua infelicidade.

Deixam bem claro que o livro quer falar com pessoas que estão desejando tirar a vida, o que é uma das propostas dele mesmo: convencer essas pessoas a não fazê-lo. Esse tom obviamente funciona para o próprio autor, que tentou suicidar-se aos 24 anos, e eu respeito e admiro legitimamente pessoas que conseguiram se recuperar e sobreviveram. Mas eu preferiria uma abordagem mais realista sobre a vida, a ansiedade, a depressão, a saúde mental no geral.

Não que não possa conter um pouco de mágica, já que é um livro de ficção, e ele nunca se propôs a ser outra coisa. Mas poderia ter sido menos infantilizado, ou ter uma mensagem mais sutil; confiar mais na capacidade dos leitores de entender entrelinhas e conectar as mensagens separadamente.

Particularmente gostei dos trechos envolvendo filosofia. Eu tenho um interesse muito grande, mas nunca soube por onde começar a estudar ou ler, e postergo até hoje. Acho bacana ler e fazer conexões acerca dos pensamentos apresentados, como é feito no livro. E olha só, de forma relativamente sutil. Até que o Matt acertou nessa aí.

Thomas Hobbes considerava a memória e a imaginação quase a mesma coisa, e, desde que descobriu isso, Nora nunca mais teve total confiança em suas lembranças.

“Se alguém avança com confiança”, havia escrito Thoreau em Walden ou A vida nos bosques, “na direção de seus sonhos, e tenta viver a vida que imaginou, há de deparar com um sucesso inesperado a qualquer momento.” Ele também observou que parte daquele sucesso era produto da solidão. “Nunca encontrei companhia tão boa companheira quanto a solidão.”

Uma coisa que achei estranha no livro foi a forma como o autor descreve certas cenas de forma cinematográfica. Tive uma impressão muito forte de que ele estava descrevendo como se quisesse mesmo que o livro virasse filme. Acho que isso acontece pelo alto nível de detalhe em coisas que talvez não precisassem de tanto, e mais uma vez ele fica preso nos assuntos:

As prateleiras de ambos os lados de Nora começaram a se mover. Elas não mudavam de ângulo, apenas deslizavam na horizontal. Talvez não fossem nem as prateleiras que estivessem se deslocando, e sim os livros, mas não era óbvio por que motivo nem como. Não havia um mecanismo visível fazendo aquilo acontecer, e nenhum som nem evidência visual de livros caindo no fim — ou no início — da prateleira. Os volumes deslizavam em graus variados de lentidão, dependendo da prateleira onde estavam, mas nenhum se movia depressa.

O grande motivo pelo qual o enredo principal do livro funciona como funciona é o conceito da sobreposição quântica:

Cada universo existe por cima de todos os outros universos. Como um milhão de fotos em papel vegetal, todas com ligeiras variações dentro do mesmo quadro. A interpretação dos muitos mundos da física quântica sugere a existência de uma quantidade infinita de universos paralelos divergentes. A cada momento da sua vida, você entra num novo universo. Com cada decisão que toma.

Quando a personagem principal Nora tenta suicídio e vai parar na Biblioteca da Meia-Noite, ela se vê na posição de experimentar cada vida diferente gerada a cada decisão que ela tomou no passado. Eu gostei muito dessa aplicação do conceito porque acho interessantes essas coisas complicadas de entender, que são bem teóricas, mesmo que não tenham necessariamente aplicação prática no meu dia-a-dia.

O final do livro é óbvio a quilômetros de distância, inclusive com a parte da destruição do Livro dos Arrependimentos - um livro especial na Biblioteca, que registrava todos os arrependimentos da Nora:

Depois de ir para a última página, ela viu um de seus últimos arrependimentos — Não consegui tomar conta de Voltaire direito — sumir lentamente do papel. As letras desaparecerem como pessoas desconhecidas se retirando no meio de um nevoeiro.

Esse livro foi destruído (junto com a Biblioteca) perto do final da história e quando Nora volta à vida, dando a entender que ela aceitou todos os seus arrependimentos - ou pelo menos aprendeu a viver com eles.

O próprio retorno à vida também era óbvio (apesar de eu adorar e preferir um final trágico e agridoce), e uma das minhas interpretações é que essa coisa envolvendo física quântica nem é real no universo do livro: ela simplesmente estava delirando o tempo todo. Uma experiência de quase-morte clássica e simples.

Incrivelmente? Gostei do livro. Novamente: eu preferia ter chegado às conclusões do livro sozinho, ter interpretado os pensamentos da Nora por conta própria. Mas consigo apreciar a ambientação final, das coisas meio que dando certo.

Obrigado pela recomendação, amigo Jefferson.

Ela seguiu o irmão em direção ao apartamento, para começar a limpar a bagunça, e teve um vislumbre dos buquês de lírios no jardim do Sr. Banerjee, antes de entrar. Flores que ela não havia valorizado antes, mas que agora a hipnotizavam com o roxo mais exótico que já tinha visto. Como se as flores não fossem apenas cores, mas parte de uma linguagem, notas musicais em uma gloriosa melodia floral, tão poderosa quanto uma música de Chopin, comunicando silenciosamente a majestade espetacular que era a vida em si.

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